Compra de votos no mensalão anula efeito da
Reforma Previdenciária, decide juiz de MG
Com base na tese de
que houve compra de votos no caso do mensalão, o juiz Geraldo Claret de Arantes
decidiu anular os efeitos da Reforma Previdenciária de 2003 e restituir o
benefício integral da viúva de um pensionista. A sentença é uma das primeiras a
citar textualmente o julgamento da Ação Penal 470, no qual a maioria dos
ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) considerou que parlamentares da
base aliada ao primeiro governo do ex-presidente Lula receberam somas em
dinheiro para apoiar os projetos da situação.
O
juiz da 1ª Vara da Fazenda de Belo Horizonte entendeu que aprovação da Emenda
Constitucional 41/2003 possui um “vício de decoro parlamentar” que “macula de
forma irreversível” a Reforma da Previdência e “destrói o sistema de garantias
fundamentais do Estado Democrático de Direito”. Para sustentar seu entendimento,
o juiz lembra que o “voto histórico” do relator Joaquim Barbosa foi seguido
pela maioria do STF. “A EC 41/2003 foi fruto não da vontade popular
representada pelos parlamentares, mas da compra de tais votos”, diz a sentença,
publicada no dia 3 de outubro [faça
download da íntegra da decisão abaixo].
“Diversos
vícios podem afetar a lei: um deles é o vício de decoro. Há uma falta de decoro
quando um parlamentar recebe qualquer vantagem indevida”, disse o juiz Antunes
ao Última Instância, observando que há
flagrantes violações da Constituição Federal (artigo 55, parágrafo 1º) e do
Código de Ética e Decoro Parlamentar (artigo 4º, inciso III, e artigo 5º,
incisos II e III).
Como
efeito prático da sua decisão, a viúva de um ex-servidor público do interior
mineiro terá direito à totalidade dos R$ 4.827 que seu marido recebia como
pensionista aposentado enquanto vivo, e não mais os R$ 2.575 que estavam sendo
creditados na conta bancária da viúva desde o falecimento de seu cônjuge, em
julho de 2004.
Sancionada
em dezembro de 2003, a emenda constitucional trouxe grandes alterações ao
regime previdenciário do país. Uma delas impôs regras mais rígidas para
conceder na íntegra pedidos de paridade do benefício. Dessa maneira, como o
ex-servidor faleceu seis meses após a promulgação da medida, e a Reforma da
Previdência já estava em plena vigência, sua viúva não teria mais o direito ao
valor total da pensão: durante mais de oito anos ela recebeu pouco mais da
metade do montante do benefício.
Em
sua defesa, o Ipsemg (Instituto de Previdência dos Servidores de Minas Gerais)
sustenta que, como o “fato gerador” — falecimento do ex-servidor — ocorreu após
a reforma, o direito à paridade não pode ser concedido. Da mesma maneira, o Ministério
Público também opinou pela improcedência do mandado de segurança. Como a
decisão é de primeira instância, ainda cabe recurso da sentença.
Ao
oferecer a denúncia do mensalão, o MPF (Ministério Público Federal), cita a
Reforma da Previdência como um dos momentos mais agudos do escândalo de
corrupção descoberto em 2005. De acordo com a acusação, dias antes das votações
da emenda na Câmara, seria possível verificar um aumento dos saques do Banco
Rural; dinheiro este suspostamente utilizado para “comprar as consciências” dos
parlamentares envolvidos no esquema. No julgamento da Ação Penal 470, o STF
condenou sete réus por corrupção passiva, todos exerciam o mandato de deputado
federal à época do esquema.
Direitos
adquiridos
Apesar
de utilizar o julgamento do mensalão para justificar a sua sentença, o juiz
Geraldo de Arantes afirma que produziria a mesma decisão caso não ficasse
comprovada a corrupção pelo Supremo. Isto, pois a Reforma da Previdência — a
qual o juiz classifica como “grande retrocesso” — mudou “as regras do jogo” de
forma arbitrária e acabou por retirar direitos adquiridos pela viúva do
ex-servidor.
“A
Constituição garante os direitos adquiridos”, afirma o juiz. E continua:
“considero uma expropriação de propriedade privada. Um ato violentíssimo, de
total impiedade com o cidadão”.
O
magistrado argumenta que um indivíduo qualquer, antes de entrar na vida pública,
pondera todas as vantagens e desvantagens que os rumos da sua carreira
profissional podem lhe causar: salário, carga horária, estabilidade,
aposentadoria e pensão, por exemplo. Dessa forma, não pode haver “revisão
unilateral” nas regras do contrato público que subtraia direitos adquiridos e
reduza a remuneração do servidor. O cidadão não pode ser “pego desprevenido ao
descobrir que, de um dia para o outro, perdeu o direito que acreditava ter”,
diz o juiz, ao conceder o mandado de segurança.
Arantes
ainda critica o funcionamento do Estado brasileiro que, ao trocar o governo
eleito, permite uma série de mudanças nas políticas implementadas, não raras
vezes removendo direitos dos cidadãos. “As alterações ao alvedrio dos caprichos
do príncipe deixaram de ser aceitas desde o fim da Idade Média”, observa o
juiz, ao ressaltar que o sentimento de insegurança jurídica prevalece.
Jogar
luz
O
juiz mineiro, no entanto, reconhece que representa uma voz isolada entre seus
colegas magistrados. “Minha posição diverge do entendimento do país. Mas ao
juiz cabe averiguar o caso concreto, aplicando os princípios constitucionais,
mesmo que não esteja de acordo com o entendimento atual das cortes”, afirma
Arantes, que, ao longo de seus 16 anos como juiz, já passou também por varas da
infância e da família.
“Com
uma ‘sentencinha’ simples dessa, quero jogar luz sobre certas discussões”,
observa o magistrado. E completa: “o Direito é dinâmico; e cada juiz vitaliza o
Direito”.
Em
sua decisão, Arantes exerceu o controle difuso da constitucionalidade ao julgar
que a Reforma da Previdência é inconstitucional e, em função disso, deve ser
anulada. Entretanto, sua sentença vale somente para o caso concreto, já que o
controle concentrado da constitucionalidade cabe exclusivamente ao STF.
Em
última análise, é a própria Suprema Corte que deverá determinar se leis
aprovadas durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula deverão ser
anuladas, uma vez fixada a existência de corrupção no Legislativo. Juristas e
algumas entidades já têm se manifestado a respeito do tema.
O
Psol, partido político criado por dissidências do PT, estuda a possibilidade de
entrar com uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no Supremo para
rever a Reforma da Previdência.
Por
outro lado, juristas da FGV
ouvidos pelo Última
Instância afirmam ser difícil comprovar perante a Corte a
inconstitucionalidade das medidas. Seria preciso provar que o voto dos sete
corrompidos foi decisivo para formar a maioria parlamentar que aprovou medidas
na Câmara.
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