sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

FANTASIAS DE CARNAVAL

Olá, pensadores!

“É carnaval, não me diga mais quem é você...” diz o refrão de uma consagrada marcha carnavalesca do carioca Chico Buarque, aludindo ao trôpego momento momesco. Nessa festa, segundo os antropólogos, os seres sociais vivem o que se chama de "inversão".

O pobre fantasia-se de rico; o ladrão, de polícia; o homem, de mulher; o tímido, de desinibido. Para os estudiosos, é a festa do esquecimento momentâneo de nossas personalidades e responsabilidades. Daí o uso das máscaras e adereços.

Fico imaginando como seria interessante se a idéia antropológica do carnaval inundasse, de verdade, as nossas redes sociais e políticas. Se o mau e negligente cidadão decidisse pôr uma mascara de cortesia e prudência. Se o credor implacável fosse mais complacente com o devedor. Se o intolerante racial ou religioso se fantasiasse com aceitação à diversidade. Se o apático se vestisse de fiscalização e cobrança.

Penso nos políticos mensaleiros, vestindo a fantasia de probidade, se enfeitando de respeito ao cargo e, de quebra, usando um pouco de vergonha na cara. Ou nos gazeteiros mascarados de pontualidade e assiduidade. Os insensíveis administradores públicos fantasiados de comuns do povo, com direito a barraco em encosta e casa alagada, como alegoria.

Gostaria de ver Arrudas vestidos de honestidade. Magistrados fantasiados de justiça. Os candidatos a cargo eletivo, de seriedade. Os funcionários públicos, de compromisso. Patrões, de compreensão. Empregados, de lealdade. Os ricos, de desprendimento. Os saudáveis, de compaixão. Os fortes, de disponibilidade.

Seria legal, também, nesse carnaval ver o trabalhador, que acorda de madrugada e enfrenta o desumano transporte coletivo, fantasiado de político, adornado de terno Armani, com motorista e limusine. O que enfrenta jornada de oito, dez ou doze horas por dia, vestido de meio expediente. O usuário do bolsa família, pagando a conta no Antiquarius. O filiado do sistema único de saúde, como cliente vip do Albert Einstein ou do Sara Kubistchek. Serão só fantasias de carnaval?

Não sei se verei alguma das alegorias que imaginei. Acho que não. O que constatarei, ao certo, é um povo alegre e festeiro que, a despeito de todo o descaso de seus líderes, insiste em fazer dos quatro dias de carnaval uma pausa na dura e sofrida realidade cotidiana.

Homens e mulheres que se fossem às urnas com a mesma disposição e consciência com que vão às ruas, atrás dos blocos, poderiam de fato fazer cair as máscaras de quem não faz nada, além de viver jogando confete e serpentina, às nossas custas, como se a vida fosse um eterno carnaval.

Esse texto foi publicado, também, no portal O Globo:

oglobo.globo.com/opiniao/mat/2010/02/12/fantasias-de-carnaval-915851202.asp

Fonte: http://www.cadaminuto.com.br

Editado por Zerepolho

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